Áudios mostram policiais, advogados e traficantes negociando para liberar carga de 10 toneladas de maconha
Droga foi apreendida no Rio de Janeiro, mas liberada após pagamento de propina. Investigação aponta envolvimento de policiais civis, militares e advogados. Parte dos acusados responde em liberdade. Áudios revelam como policiais exigiram propina para liberar caminhão com maconha
Áudios obtidos com exclusividade pelo Fantástico revelam os bastidores de uma negociação milionária para liberar um caminhão com 10 toneladas de maconha.
A droga, encomendada pelo Comando Vermelho, foi interceptada no Rio de Janeiro, mas acabou liberada após o pagamento de propina a policiais civis.
A carga saiu do Mato Grosso do Sul com destino ao Rio de Janeiro. A nota fiscal indicava frango congelado, mas o conteúdo era outro.
“Os polícia tão pedindo dois milhão pra soltar a mercadoria. Eles querem dar um milhão e meio”, diz Lucinara Koerich, esposa de um dos traficantes envolvidos, em um dos áudios.
Segundo a investigação, o caminhão era escoltado por duas viaturas da Polícia Civil quando foi parado pela Polícia Rodoviária Federal. Os agentes alegaram que levariam o veículo para a Cidade da Polícia, mas, em vez de registrar a ocorrência, iniciaram uma negociação.
“O que houve foi uma negociação para pagamento de valores em troca da liberação da droga”, afirma o promotor de Justiça Fabiano Oliveira.
O delegado Pedro Duran, da Polícia Federal, explica que os policiais civis usaram o celular do motorista para falar com advogados da facção.
Os áudios mostram o traficante Carlos Alberto Koerich relatando a situação à esposa. “Tô no maior desenrole com o cana aqui, amor. Pegaram o caminhão ali na Serra das Araras.”
Carlos e o sogro, Marcelo Luiz Bertoldo, vieram de Santa Catarina para receber a carga no Rio.
A Polícia Federal identificou os advogados Leonardo Galvão e Jackson da Fonseca como os responsáveis por intermediar a negociação. “Deixei tudo no esquema pra todo mundo se adiantar. A gente que fez essa correria”, diz Jackson em um dos áudios.
O acordo previa que 10% da propina ficaria com os advogados. Mas, segundo Jackson, o combinado não foi cumprido. “Chega na hora, os caras levaram tudo, mano. (...) A gente que agilizou tudo. Tem consideração nenhuma pelo colega.”
Para liberar o caminhão, o policial civil Deyvid da Silveira escreveu à mão um resumo da missão, afirmando que “nada foi encontrado” e que o motorista foi liberado. “Efetivamente, a carga chegou ao destino, mediante o pagamento desse valor e abasteceu às comunidades da região”, afirma o delegado Duran.
Após a entrega foi feita no Complexo do Alemão, o caminhão voltou para o Sul e foi parado novamente. Desta vez, a Polícia Rodoviária Federal encontrou fragmentos de maconha suficientes para um exame pericial. “Foi o que permitiu comprovar que a carga era entorpecente”, diz o promotor.
Foram presos:
os policiais civis Juan Felipe Alves, Renan Guimarães, Alexandre Amazonas, Eduardo de Carvalho e Deyvid da Silveira;
o policial militar Laercio de Souza Filho;
e os advogados Leonardo Galvão e Jackson da Fonseca.
Todos, com exceção de Jackson, foram soltos após decisão do Superior Tribunal de Justiça (STJ), que entendeu que não havia provas do tráfico, já que o caminhão foi encontrado vazio. Eles agora respondem em liberdade, apenas por corrupção.
Carlos Koerich, Lucinara Koerich e Marcelo Bertoldo continuam presos por tráfico e organização criminosa.
Durante a investigação, a PF descobriu que os policiais civis mantinham um grupo de mensagens chamado “Mente de um Vilão”, em que discutiam esquemas de tráfico desde 2020.
Em um dos áudios, o agente Juan Felipe fala sobre lucros com cargas vindas de São Paulo. “A gente pode beliscar alguma coisa. (...) Arruma umas nota fiscal, entendeu? Vai ganhando e amenizando nossa dor.”
O Fantástico entrou em contato com as defesas de Laercio de Souza Filho, Renan Guimarães, Leonardo Sylvestre Galvão e Alexandre Amazonas, mas eles preferiram não se manifestar no momento.
A defesa de Juan Felipe Alves informou, em nota, que “a decisão do Superior Tribunal de Justiça restabeleceu a justiça e a verdade processual”.
Também tentamos contato com Eduardo de Carvalho, Deyvid da Silveira, Jackson da Fonseca, Carlos Alberto Koerich, Lucinara Koerich e Marcelo Luiz Bertoldo, mas não obtivemos retorno.
A Corregedoria da Polícia Civil informou que os servidores seguem afastados e respondem a processo administrativo que pode levar à demissão.
“A gente respeita muito o trabalho da polícia, mas lamenta a ousadia de quem, em vez de combater o tráfico, se associa a ele”, diz o delegado Duran.
“A sociedade deve confiar na polícia, mas ações como essa abalam a credibilidade do Estado”, conclui o promotor Fabiano Oliveira.
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